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                    ANTONIO BIVAR E SÃO PAULO 
                  30-11-1990 
                    
                  Copacabana  era a meta de todos os artistas e boêmios no final da década de 1950. Ipanema e  Leblon eram refúgios de intelectuais em ascensão e a Barra da Tijuca só mesmo  nos fins de semana, ainda sem os túneis e pistas elevadas dos dias atuais.  
                    Os artistas que hoje pululam nos bares do Baixo Leblon e da Baixa Gávea estavam  nos restaurantes e refúgios da orla da Avenida Atlântica. A trinca —  Tônia, Celi, Autran, Cecília  Becker e o jovem estreante Adriano Reis também estavam lá.  
  Antonio Bivar acabava de chegar de Ribeirão Preto, aos vinte anos de  idade, e tentava um espaço no teatro.  
                    Conheci-o na porta de um cinema do Posto 4 e apresentei-o a meu amigo Roland  Grau e, depois, ao Ziembinsky.  
                    Quando eu parti para a Venezuela em 1966, Bivar já estava conhecido, se  não do grande público, pelo menos do mundinho artístico, o que já era muito. 
   
                    É mais ou menos daquela época seu sucesso como autor. Andou depois por Nova  Iorque e/ou Londres... Não sei ao certo, pois perdi contato com ele.  Contaram-me que saiu na primeira diáspora logo que triunfou a “Revolução” de  1964 e o ambiente cultural tornou-se asfixiante, com o advento da censura e da  repressão. 
                    Dizem que vivia como hippie, em repúblicas ou guetos de  latino-americanos, curtindo  maconha. Depois  voltava com uma bagagem artística considerável, uma experiência de vanguarda  como diretor, chegando a ser disputado.  
                    Soube que dirigiu um show da Maria Bethânia no seu (dela) momento de  esplendor. Dizem. Eu perdi contato com ele por completo. 
                    Em São Paulo, nesta semana, volto ao teatro para ver um espetáculo com meus  amigos Joyce e Benê, que são do métier. Garantiu-me que  seria uma peça divertida, inteligente, bem montada — As Raposas do Café,  sobre a Primeira República.  
                   
Somente na porta do teatro é que descobri que o texto e a direção eram do  próprio Bivar. Fiquei excitado com a ideia de reencontrá-lo depois de  três décadas...  Ele apareceu na porta de  acesso, à hora de abrir as cortinas.   Hesitei mas Benê animou-me, pela dúvida de voltar a vê-lo ao  final da sessão.  
— Você não se lembra de mim — disse-lhe. Foi em Copacabana que nos vimos. Faz  já muitos e muitos anos, etc, etc... 
Ele disse lembrar-se de mim. Cumprimentou-me cordialmente, com muita simpatia.  E foi só. Não fez perguntas, nada. 
Voltei para o meu assento e ele desapareceu quando a cortina entreabriu-se. 
 
Foi uma noite agradável, divertida. Um bom espetáculo, deleitado por centenas  de jovens secundaristas, muitos deles (provavelmente) pela primeira vez no  teatro. 
Perdi-me depois em lembranças de minha puberdade, de minhas andanças pelas  noites de Copacabana.   Bivar saiu  destas memórias, destes fragmentos do passado, corporificou-se no enquadramento  da porta do teatro e depois desapareceu, ficando apenas o presente de  realidades mais chãs, mais rotineiras, menos fantasiosas. 
Não sei se voltarei a vê-lo. Benê achava que o Grupo Tapa seria um  contato interessante se eu pretendesse voltar a montar meus espetáculos. Nem  toquei no assunto. 
Quando conheci Bivar eu já escrevia incipientes textos teatrais. Ele  apenas iniciava-se, mas tomara aquele decisão de forma definitiva, deixando sua  cidade natal, sua família, lançando-se por inteiro à sua aventura. E a ela  entregou-se, sem desvios e sem recuos. 
 
Eu acabei como administrador. Apesar do êxito, do sucesso, senti-me com inveja  ou arrependimento, uma sensação muda de frustração pelo meu lado lúdico e  criativo. Quem sabe ele sentiria a mesma sensação vendo o meu status de doutor,  de diretor, com um emprego estável?  
É possível. Mas não é propriamente um consolo esta hipótese. 
Trinta anos depois reencontro Bivar e ele tem ainda os mesmos traços  fisionômicos e — o que é mais extraordinário — uma jovialidade indisfarçável.
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